quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

"A DOR DO LUTO NÃO DEVE SER MEDICADA" - Crônica do Doutor João Evangelista Teixeira Lima, publicada em A Tribuna/ES...!!

DR. JOÃO RESPONDE

A DOR DO LUTO NÃO DEVE SER MEDICADA

O princípio da vida vem recheado de alegria e esperança. A dor do adeus vem temperada de lamento e saudade.
O nascimento e a morte são acontecimentos que unem verdadeiramente as pessoas.
O início e o fim serão sempre os grandes mistérios da humanidade. Não sabemos o que vamos encontrar do lado de lá, nem lembramos o que éramos antes de aqui chegar.
O sofrimento emocional em sua pior forma, como acontece no luto, é um dos mais cruéis da humanidade. Apesar disso, a tristeza ocasionada pela perda não deve ser medicada.
Nossa capacidade de sentir dor emocional tem um grande valor adaptativo. Não podemos converter o padecimento em doença sem mudar radicalmente quem nós somos.
Se não pudermos tolerar a tristeza, não conseguiremos experimentar a alegria. Mascarando a dor, transformamos o indolor em estupor. Luto não deve ser tratado como depressão, embora possa evoluir para tal.
Abatimento, insônia, anorexia, desânimo, falta de interesse, dificuldades para trabalhar, estão presentes durante o pesar.
Ao lidar com o desfecho da vida, devemos lembrar que esse lado sombrio é o preço necessário que pagamos pela ligação com os nossos entes queridos.
Iniciamos a existência necessitando de amor. Nossa vida consiste em uma série de ligações e perdas.
É lamentável ver pessoas dopadas de calmantes durante um velório. De que adianta o corpo do enlutado estar presente, se o cérebro, entorpecido por medicamentos, aprisiona a mente nas brumas do entorpecimento, impedindo-a de participar dessa dor terapêutica.
Medicar o luto reduz a dignidade do sofrimento. 
O uso de drogas durante o pesar produz um lenitivo incompleto, superficial e despersonalizante.
Tranquilizantes afastam a necessária dor, impedindo o tempo de exalta-la, domina-la e, finalmente, extingui-la. A maioria das pessoas machucadas pela morte se recupera sem interferência de remédios.
Somos capazes de sentir desolação, angústia e saudade, porque tudo isso tem um elevado valor de cura e sobrevivência, sendo parte inevitável da existência humana.
Precisamos chorar a morte dos seres amados ou nunca os amaríamos plenamente. O luto não deve ser abortado com pílulas, pois não se trata de algo a ser curado, mas sim vivenciado, compreendido e aceito.
Sofrimento não é doença. No lugar de prescrever calmantes, seriam melhor oferecer tempo, reflexão, consolo, compaixão, memória e empatia, esses bálsamos da vida. A morte deve ser lamentada ao invés de reprimida ou tratada.
Contrição, tristeza, lamentação e saudade são catárticas, auxiliando o enlutado a vencer o vazio que irá se instalar na sua alma. O processo da perda leva tempo para ser elaborado.
Perder alguém querido gera sentimentos dolorosos. Mas, não se deve deixar a tristeza lá fora, com medo de a saudade apertar. Lembranças ajudam preencher o vazio.
A saudade corre dentro do corpo passando pela mente várias vezes, até que um dia alcançará o coração, local onde vai passar a eternidade.
A dor da perda pode se tornar patológica apenas quando a realidade passa a não ser aceita, e o enlutado deixa de lado sua própria vida para viver somente de lembranças.
O desaparecimento da esperança, da criatividade, do sono, do prazer e da motivação em retomar a vida normal, são os principais indicativos de que as coisas não vão bem.

A maneira mais saudável de encarar a perda é saber que a morte levou apenas o corpo físico do ente querido. A representação de tudo aquilo que existiu na pessoa que se foi, continuará existindo dentro do psiquismo de quem ficou, e isso nunca poderá ser retirado dela.

O sofrimento preenche o vazio da mortalidade, se diluindo em lembranças e saudade.
JOÃO EVANGELISTA TEIXEIRA LIMA

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