terça-feira, 17 de abril de 2018

VILA VELHA(ES) DEBAIXO D’ÁGUA - Pelo pintor Kleber Galvêas

VILA VELHA DEBAIXO D’ÁGUA
“A vida continua como a dos nossos pais.”
Vasco Coutinho chegou ao Espirito Santo em 23 de maio de 1535. Observou que os rios que desaguavam na Baía do Espírito Santo tinham poucos declives, percorriam extensa planície litorânea formada de sedimentos bem acamados. Concluiu que suas águas sofriam forte influência das marés e, portanto, eram impróprias para consumo humano. Aproveitando a existência de um ribeirão que descia do Morro do Moreno, o Donatário se instalou no Sitio do Ribeiro (ou do Ribeirão), na Praia do Ribeiro, Praia da Costa, Vila Velha.

As casas populares pioneiras surgiram na Praia de Inhoá, hoje, totalmente desaparecida, incluindo a Ilha da Forca. Praia e ilha foram aterradas nos anos 1950, e a área foi cedida à Marinha. Lá, na encosta do morro, que guarnecia a praia, ainda existe uma fonte. Entretanto a estreita faixa de terra que havia entre o morro e o mar impossibilitou o desenvolvimento de uma vila em Inhoá.

Vasco Coutinho construiu a primeira igreja na Prainha (demolida no inicio do séc. XX) e, ao seu lado esquerdo, o primeiro cemitério (onde hoje fica o Fórum da Prainha). Em seu entorno ruas tortuosas formaram um vilarejo. Dois becos sem saídas, paralelos à Rua António Ataíde, são tudo o que restou da primitiva urbanização espontânea, feita sem nenhum planejamento.

O engenheiro António Ataíde, tendo-se recusado a assinar documento que, a pedido do governador, recomendava a demolição da torre da igreja de São Tiago, em Vitória, sem que ele pudesse fazer as devidas verificações técnicas, foi demitido. De seu relatório consta a frase: “Não fora a incúria dos nossos governantes, a torre ficara de pé por mais de mil anos”. Ele veio para Vila Velha e foi contratado pela PMVV para remodelar a urbanização da cidade. Várias casas foram demolidas na Prainha, ruas alinhadas com impecável rigor cartesiano, projetadas visando o seu futuro desenvolvimento.
Do engenheiro José Martins e do advogado Aníbal Soares, já falecidos há alguns anos, vizinhos e visitantes frequentes
do meu ateliê na Prainha, entre muitas narrativas, ouvi a historia do projeto dos sonhos de Antônio Ataíde:
transformar Vila Velha em uma Veneza ou Amsterdam, cidades cortadas por canais navegáveis.

Considerando que: Vila Velha era um imenso areal, até meados do séc. XX, onde caminhar era difícil e, que todas as suas ruas foram aterradas, antes de serem calçadas ou asfaltadas; * que a altitude do centro da cidade é de 4 metros; * que no município existiam várias lagoas interligadas (Vale Encantado e Cobilândia); * que córregos e riachos naturais, sem corredeiras, seguiam em todos os sentidos pelo terreno; * que grande área da cidade era um extenso manguezal inundável na maré alta; * que o transporte de pessoas e mercadorias, até meados do século XX era feito, quase que, exclusivamente por barcos; * que madeiras próprias para a construção de  embarcações eram facilmente encontradas em nossas matas; * que paisagens naturais notáveis e espécimes da flora terrestre e aquatica seriam preservadas e valorizadas; * que a fauna, inclusive a migratória, ficaria protegida; * que estaríamos imunes a alagamentos; * que na História havia, como exemplo de capacidade técnica o precedente expressivo do Canal dos Jesuítas, ligando o Rio Jucu à Baía do  Espírito Santo...
É uma pena que esse sonho, de quem planejou a Vila Velha moderna, não se tenha se realizado. Teríamos um trunfo turístico impar no Brasil, e a cidade não seria frequentemente inundada.
    

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 
www.galveas.com

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